A revolução digital tem transformado profundamente múltiplos setores da sociedade, e a saúde pública não é exceção. Cada vez mais, as tecnologias digitais emergem como ferramentas essenciais para melhorar a eficiência dos sistemas de saúde, promover o bem-estar da população e responder aos desafios impostos pela transição demográfica e o aumento da multimorbilidade de patologias. Em particular, o envelhecimento da população e a crescente prevalência de doenças crónicas têm aumentado a pressão sobre os sistemas de saúde, tornando indispensável a adoção de soluções tecnológicas. No caso particular da saúde pública, entre as áreas mais promissoras, destacam-se as áreas da infodemiologia e das aplicações móveis de saúde (mHealth).
Infodemiologia
A infodemiologia estuda a distribuição e os determinantes da informação na internet, com o objetivo de informar e melhorar a saúde das populações. Pode ser aplicada para a monitorização em tempo real da informação disponível online para detetar e responder a ameaças de saúde pública, sendo também conhecida como infovigilância (uma referência à vigilância infodemiológica de forma análoga à tradicional vigilância epidemiológica).
Esta área é particularmente relevante num mundo digitalmente interconectado, onde a informação circula rapidamente através das redes sociais, dos motores de busca e de outras plataformas digitais. A capacidade de analisar grandes volumes destes dados pode permitir identificar tendências, comportamentos e perceções da população em relação a questões de saúde.
Por exemplo, a utilização de informação de pesquisas em motores de busca como o Google pode ser utilizada para obter informações sobre o padrão de toma de medicações, particularmente quando complementada com outras fontes de dados. As informações das pesquisas na internet também podem facilitar a previsão de hospitalizações por asma em vários países, incluindo Portugal, ou a vigilância de surtos pelo vírus Influenza. Para além destas aplicações, os dados públicos de utilizadores de redes sociais, como o X (antigamente conhecido como Twitter), também permitem a monitorização das opiniões dos utilizadores destas plataformas sobre tópicos de saúde. Um exemplo recente consiste num trabalho que avaliou o sentimento dos utilizadores do X em relação à doença alérgica. Por fim, os dados de infodemiologia também podem ser utilizados para informar sobre as preocupações e necessidades dos doentes, como o demonstra um estudo recentemente publicado onde estes dados foram utilizados para gerar questões a abordar por um painel de guidelines.
Aplicações móveis de saúde (mHealth)
A área das aplicações móveis de saúde, frequentemente conhecida como mHealth, faz uso de dispositivos móveis para apoiar a prática médica e a saúde pública. Com a proliferação de smartphones e tablets, a área da mHealth tem vindo a tornar-se cada vez mais importante na prestação de cuidados de saúde modernos.
De facto, as aplicações móveis em saúde permitem uma panóplia de funções, incluindo a monitorização de parâmetros de saúde (idealmente de forma integrada com sensores wearable), a prestação de cuidados de saúde através de telemedicina e a educação da população para a saúde. Efetivamente, existem atualmente movimentações no sentido de permitir a prescrição de aplicações móveis para a terapêutica de determinadas patologias (os DiGAs), estando estas sujeitas ao mesmo escrutínio que outras tecnologias de saúde, como os medicamentos (incluindo a demonstração de efetividade e segurança).
No entanto, para além da prestação direta de cuidados de saúde, as aplicações móveis permitem também a geração de dados (frequentemente denominados de “dados diretos dos pacientes”) com grande utilidade para a saúde pública. Estes dados diretos dos pacientes, criados ou registados entre visitas médicas, são uma fonte adicional de dados que permite uma melhor monitorização e gestão de doenças crónicas. Um exemplo paradigmático da relevância do mHealth é na rinite alérgica, onde os dados provenientes de uma aplicação móvel — MASK-air® — permitiram, entre outros, o estudo do impacto da rinite alérgica na produtividade académica, na produtividade laboral, e na qualidade de vida dos pacientes.
O futuro das tecnologias digitais na Saúde Pública
O potencial das tecnologias digitais para transformar a saúde pública é imenso. A integração da infodemiologia, das mHealth e de outras tecnologias emergentes, como a inteligência artificial, nas estratégias de saúde pode melhorar substancialmente a prevenção, deteção e seguimento de doenças. No entanto, para fazer uso pleno destas ferramentas, é essencial que se formem colaborações entre instituições governamentais, de saúde, empresas tecnológicas e a sociedade civil. Só através de investimento na infraestrutura digital, na formação de profissionais e na investigação contínua é possível o desenvolvimento contínuo e total aproveitamento destas soluções.
Rafael José Vieira
Assistente Convidado na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Investigador do RISE-Health