O consumo de tabaco representa um dos maiores problemas de saúde pública a nível Mundial. Mais de 8 milhões de pessoas morrem, anualmente, em todo o mundo, por causa do tabaco, estimando-se que 7 milhões de pessoas morram por causa do seu consumo e 1,2 milhões de mortes correspondam a pessoas não fumadoras que estiveram, ao longo da sua vida, expostas ao fumo de tabaco.
De acordo com o referido no último relatório do Programa Nacional de Prevenção e Controlo do tabagismo, da Direção-Geral da Saúde (DGS), na União Europeia, o tabaco contribuirá, anualmente, com mais de 700 mil mortes sabendo-se que aproximadamente metade dos fumadores morrerá precocemente. O nosso Plano Nacional de Saúde 2023 destaca o consumo de tabaco como um dos determinantes de saúde relevantes.
O consumo de tabaco tem um impacto negativo a nível da saúde das pessoas, a nível económico, a nível social e a nível ambiental.
A evidência científica sobre os efeitos negativos do tabaco na saúde humana é irrefutável e inequívoca - o tabaco é uma das principais causas evitáveis de doenças não transmissíveis, tais como as doenças cérebro-cardiovasculares, as doenças respiratórias crónicas, o cancro (em diferentes localizações) e a diabetes mellitus tipo 2. E tem igualmente impacto no aumento da mortalidade de doenças transmissíveis como por exemplo a tuberculose, para além de um importante impacto na saúde sexual e reprodutiva, entre outros problemas de saúde relevantes.
A nível económico há que referir que o consumo de tabaco (incluindo a exposição ao fumo de tabaco) tem um impacto muito significativo para o Estado e para as famílias. Os problemas de saúde decorrentes deste comportamento irão condicionar um maior consumo de medicamentos e de serviços de saúde, aumento dos apoios sociais, maior absentismo e uma diminuição da produtividade. Mas o mais importante é saber que o tabaco contribui para gerar e acentuar a pobreza e o sofrimento social. Sabemos que a maioria dos fumadores vive em países de baixo ou médio rendimento.
A nível ambiental o tabaco contribui como um fator de poluição através da sua cadeia produtiva e dos resíduos dos produtos de tabaco. Assim, o impacto negativo do tabaco sobre ambiente ocorre em diversas etapas, nomeadamente no cultivo, na produção, na distribuição, no consumo e nos resíduos gerados pela eliminação dos produtos de tabaco. A produção e o consumo de tabaco também contribuem para o aquecimento global através da libertação de toneladas de dióxido de carbono (CO2) para o meio ambiente, todos os anos.
Ao longo de mais de 20 anos muito se tem evoluído na luta contra este flagelo, sobretudo à custa de entendimentos entre os vários países, relativamente às políticas de saúde nesta matéria.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2003, no âmbito da 56.ª Assembleia Mundial da Saúde, adotou a Convenção Quadro para o Controlo do Tabaco, que constituiu um importante marco histórico no contexto das políticas internacionais de promoção da saúde, assumindo-se “o compromisso de adotar um conjunto diversificado de medidas plurissectoriais respeitantes à redução da oferta de tabaco, à redução da procura e à proteção do meio ambiente, num esforço conjugado de cooperação internacional, visando proteger as gerações presentes e futuras dos efeitos devastadores, sanitários, sociais, ambientais e económicos, causados pelo consumo e pela exposição ao fumo do tabaco”. Esta Convenção Quadro foi aprovada por Portugal em novembro de 2005. Em 2008 a OMS identificou as seis estratégias mais efetivas para prevenir e controlar o consumo de tabaco, e que se sintetizavam no acrónimo “MPOWER”: (Monitor) monitorizar o consumo de tabaco e as suas repercussões na saúde; (Protect) proteger da exposição ao fumo ambiental do tabaco; (Offer) oferecer ajuda na cessação tabágica; (Warn) avisar, informar e educar sobre os riscos associados ao consumo de tabaco; (Enforce) proibir totalmente a publicidade, a promoção e o patrocínio dos produtos do tabaco; (Raise) aumentar os impostos sobre os produtos do tabaco.
Em Portugal, a Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto aprovou “normas para a proteção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo” executando a Convenção-Quadro. Esta lei encontra-se em vigor, tendo sofrido sucessivas alterações ao longo destes 17 anos.
Apesar do efeito positivo destas políticas de saúde, impulsionadas através de um imperativo legal, resultando no controlo do consumo de produtos de tabaco tradicionais, a verdade é que nos deparamos com um fenómeno muito preocupante que são os novos produtos de tabaco e de nicotina, que têm vindo a invadir o mercado. Já existe evidência científica que nos permita afirmar que estes produtos são nocivos para a saúde, e que “tragicamente” estarão a contribuir para voltar a “normalizar” o consumo de tabaco, junto dos jovens.
O problema do tabagismo não reside apenas no facto de ser considerado como um fator de risco para um enorme conjunto de doenças. O tabagismo condiciona, na maior parte das situações, um fenómeno importantíssimo que é a dependência. A dependência do tabaco é um fenómeno complexo, pois resulta da interação de vários fatores, dos quais a nicotina, substância psicoativa com elevada capacidade para induzir dependência física e psicológica, surge como fator principal indutor de dependência, mas não é o único fator a ter em consideração, sabemos que existem outras substâncias que estarão diretamente associadas ao processo de adição. A dependência da nicotina foi incluída em 1992 na 10.ª Classificação Internacional das Doenças (CID)-10 e, em 1994, no Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais (DSM)-IV.
“Todos os países devem proteger a saúde das suas populações combatendo esta catástrofe mundial que é o consumo de tabaco, qualquer que seja a forma que este assuma. E os seus líderes políticos não devem ter receio em enfrentar os poderosos interesses instalados que tiram proveito do tabaco. (…) Simultaneamente, devemos manter a vigilância aos desafios colocados por novos produtos, tais como os sistemas eletrónicos de administração de nicotina e produtos de tabaco aquecido.” (OMS, 2021).
Não podemos ignorar o enorme poder da indústria tabaqueira que tem apostado cada vez mais na comercialização de novos produtos, como os cigarros eletrónicos e produtos de tabaco aquecido. Utilizam estratégias bem conhecidas, como o por exemplo o lóbi político, em que procuraram limitar a regulamentação destes produtos, a manipulação dos meios de comunicação social, a utilização de líderes de opinião para a produção de conteúdos que lhes sejam favoráveis e até a produção de artigos de duvidoso teor científico para que se instale a dúvida na comunidade científica.
A luta contra o tabaco deve fazer parte integrante da agenda do desenvolvimento sustentável, de todos os países e por isso tem que constituir um imperativo legal e normativo no contexto das políticas de saúde pública.
Rosa Branca Mansilha
Médica de Saúde Pública
ULS Médio Ave
Bibliografia: