Sabemo-lo bem: a saúde é não só determinada por fatores comportamentais ou pelo acesso aos cuidados de saúde, como também pelo ambiente físico, social, cultural, ou político que os promove (ou limita).
Ficamos alerta perante avisos de ondas de calor (ou de frio), níveis elevados de pm2,5 ou pm10, ou no limiar de uma crise económica. Desenhamos planos de contingência, preparamos estudos para medição dos seus efeitos na saúde. Menos mediático – e menos urgente – parece ser o risco aliado às condições físicas e sociais onde as pessoas vivem, exceto em casos pontuais como perante o incêndio do mês passado na Mouraria.
Compreende-se: desde os anos 50 que foram sendo definidas regras para a construção de espaços com melhores condições sanitárias, como o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (1951). Ainda assim continuamo-nos a deparar com anúncios de arrendamento de quartos interiores (sem janelas e outras formas de ventilação cruzada ou transversal), edifícios novos de bairros municipais com alçados cegos, e a Parque Escolar teve como requisito a climatização e ventilação através de sistemas mecânicos, restringindo o desenho de janelas com abertura manual. No ano passado o The Guardian descreveu, num dos seus podcasts diários (Today in Focus), alguns casos de pessoas cuja saúde foi severamente afetada por bolores no interior da habitação.
Similarmente, desde meados do século XIX que várias substâncias foram sendo retiradas dos materiais de construção, como os asbestos e o chumbo. Este último foi retirado da produção de tintas e da canalização, e até mesmo dos combustíveis, mas no final dos anos 80 a intoxicação por chumbo ainda era uma realidade em França. Nos EUA, mais de 80.000 crianças são diagnosticadas com intoxicação por chumbo por ano, e esta neurotoxina foi detetada no sangue de mais de 50% das crianças, com 2% com níveis iguais e superiores a 5 μg/dL. Como esperado, as crianças de famílias com maiores níveis de pobreza e a residir em áreas mais desfavorecidas foram as mais afetadas. A evidência sobre a importância dos espaços verdes para o bem-estar (ref. 1, ref. 2) e para a prevenção da obesidade é cada vez mais robusta, mas a distribuição e a qualidade destes espaços é ainda desigual.
Assim, importa que profissionais de saúde, nomeadamente médicos, e profissionais envolvidos no desenho da habitação e no planeamento urbano, como os arquitectos, contactem com estes temas, assim como com formas de os prevenir. Importa conhecer melhor como implantar um edifício de forma a otimizar a exposição solar, mas garantindo o seu sombreamento em meses de maior calor, ou como o desenhar garantindo uma renovação de ar eficiente em toda a sua área, ou pelo menos nos espaços críticos. Importa que se conheçam os materiais potencialmente danosos e, até, as características de desenho e construção que garantam eficiência energética e de prevenção da formação de bolores. Importa, principalmente, que exista uma discussão interdisciplinar, a qual pode ser treinada desde a formação pré-graduada permitindo que profissionais, direta e indiretamente, envolvidos na promoção da saúde possam adquirir um vocabulário conjunto e, partindo de perspetivas diferentes, entender o potencial impacto do espaço construído na saúde da população
Estima-se que, em 2050, 70% da população mundial viva em áreas urbanas. Assim, será cada vez mais central que se conheçam as características de uma habitação e de urbes que promovam a saúde (e o bem-estar) da população.
[Por tudo isto, em 2021, desenhámos (eu, da Faculdade de Medicina, e a Professora Ana Neiva, da Faculdade de Arquitectura, da Universidade do Porto) o curso interdisciplinar ‘Saúde, Bem-estar e Arquitectura’, o qual foi selecionado como um curso de Inovação Pedagógica pela Universidade. No dia 1 de Março de 2023 começa a sua segunda edição e, entre estudantes de Arquitectura e Medicina, estarão também médicos (especialistas e internos) de Saúde Pública. Pouco a pouco vamos colocando este tema na agenda e, indiretamente, relembrando que a Saúde Pública pode ter um papel não só na identificação dos problemas e como na discussão informada de soluções.]
Teresa Leão
Médica de Saúde Pública e Professora Auxiliar na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto