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Porque se está a morrer tanto em Portugal?

Atualizado: 31 de out. de 2022


A Pandemia de COVID-19 provocou níveis de mortalidade em excesso sem precedentes em tudo mundo, decorrente dos efeitos diretos do vírus SARS-CoV-2 ou através de efeitos indiretos. Compreender melhor a dinâmica da mortalidade permite avaliar as opções tomadas em termos medidas de saúde pública adotadas, e permite melhorar medidas futuras para proteger as populações mais vulneráveis. Neste artigo iremos explorar os determinantes da mortalidade e o seu enquadramento nacional e europeu.


A mortalidade por COVID-19 está dependente do número de pessoas infetadas com SARS-COV-2 e por fatores como a idade, as comorbilidades, o tipo de variante, o estado vacinal, e a qualidade dos serviços de saúde. Mas também pelas políticas de testagem seguidas em cada país e pela forma como são contabilizadas as mortes. Países com políticas de testagem menos compreensivas não diagnosticam tantos casos de SARS-COV-2, e isso reflete-se na mortalidade por COVID-19, este fenómeno é designado por “Ascertainment bias”. Nesse aspecto Portugal é um país com políticas de testagem muito compreensivas na União Europeia. Na figura 1 observamos que Portugal tem uma mortalidade por COVID-19 por milhão de habitantes ligeiramente inferior (-4.9%) à da União Europeia, mesmo com uma testagem bastante compreensiva.


Figura 1. Mortalidade por COVID-19 por milhão de habitantes na União Europeia e em Portugal.


O excesso de mortalidade é uma medida menos sensível às diferentes políticas de testagem de cada país e à sua estrutura etária, porque contabiliza mortalidade por todas as causas e a linha de base pré-pandemia tem em conta o esperado para a população com determinada estrutura etária.


Neste indicador, o excesso de mortalidade cumulativo por milhão de habitantes Portugal está em linha com o valor de Espanha, abaixo de Itália, mas acima de França, como é visível na figura 2. É curioso observar que já na pandemia a Influenza de 1918 o excesso de mortalidade cumulativo foi mais pronunciado no sul da Europa (ver mais aqui). Se observarmos quando aconteceram os períodos de excesso verificamos que desde 2020 observamos que estão relacionados com os períodos de maior intensidade de circulação do SARS-CoV-2 (Abril de 2020, Janeiro de 2021, Inverno de 2021-2022), ver figura 3.


Figura 2. Excesso de mortalidade cumulativo por milhão de habitantes em Portugal, Espanha, Itália e França.


Figura 3. Excesso de mortalidade (z-scores) em Portugal. Fonte: Euromomo


Da mortalidade em excesso nem toda pode ser explicada pelas mortes por COVID-19. Parte dessas mortes podem ser na verdade mortes por COVID-19 em pessoas não diagnosticadas com SARS-CoV-2. Portugal adotou algumas medidas para robustecer o mecanismo de captura de casos graves de infeção por SARS-CoV-2, como por exemplo, a testagem de todos os doentes internados, e a codificação de causas de morte for direcionada para a rápida codificação destes casos. Mas será espectável que mesmo assim algum do excesso de mortalidade não-COVID-19 seja explicável pelo fenómeno acima descrito.


Outro fenómeno que tem merecido bastante atenção por parte da comunidade científica é o risco acrescido de desenvolver ou agravar doenças após a infeção por SARS-CoV-2 que pode modificar o risco de morte. Um artigo na revista Nature (aqui) resume o que se sabe sobre o assunto. Mesmo infeções por SARS-CoV-2 com gravidade moderada pedem aumentar o risco de enfarte, diabetes ou lesão cerebral meses depois da ocorrência das infeções por SARS-CoV-2. A contribuição exata deste fenómeno para a explicação da mortalidade não-COVID-19 permanece por conhecer.


Outra explicação para o excesso de mortalidade está na alteração da intensidade e qualidade do acesso a cuidados de saúde. As alterações a que os sistemas de saúde foram sujeitos durante a pandemia levaram a quebras da quantidade e possivelmente da qualidade dos serviços de saúde prestados. Um artigo brasileiro sobre hospitalizações em doentes COVID-19 (aqui) alerta que a pandemia aumentou as disparidades dentro do sistema de saúde. Mais uma vez permanece por determinar o contributo exato dos cuidados adiados e de restrições ao acesso na mortalidade.


Em alturas muito específicas fenómenos climáticos tiveram também um papel na mortalidade, como em períodos de onda de calor, com reflexo que resulta em excesso de mortalidade. As alterações climáticas têm já um efeito palpável na forma como se morre em Portugal. As duas últimas causas de mortalidade não-COVID-19 são parcialmente modificáveis, quer isto dizer que com políticas públicas que promovam melhores cuidados de saúde e melhor conforto térmico dos espaços é possível reduzir a mortalidade.


A pandemia a COVID-19 teve e tem efeitos diretos e indiretos muito pronunciados na mortalidade em Portugal. O que resultou em 2020 numa diminuição da esperança média de vida, fenómeno que se repetirá provavelmente em 2021 e 2022. Compreender quem foram os mais afetados pelas mortes diretas e indiretas é fundamental para compreender que políticas podem ser adotadas para proteger melhor as populações vulneráveis. Portugal pode e deve participar neste esforço científico.




André Peralta Santos

MD MPH, PhDc University of Washington



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