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O Papel da Saúde Pública nas ULS: Um Balanço Inicial

O ano de 2024 trouxe uma nova reforma no Serviço Nacional de Saúde (SNS) com a entrada em vigor da universalização do modelo de Unidades Locais de Saúde (ULS), em que todos os Hospitais públicos do país, Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) e Unidades da Rede de Cuidados Continuados foram integrados, do ponto de vista administrativo, sob um mesmo órgão de gestão. Nesta transformação, negociações foram levadas a cabo para que os serviços de saúde pública locais, até então definidos como unidades funcionais dos cuidados de saúde primários, pudessem ser alvo de modificações estruturais que correspondessem às reivindicações que há muito se faziam no âmbito das sucessivas (tentativas) reformas de saúde pública.

No âmbito dos processos de elaboração dos planos de negócios das ULS, sem um enquadramento legal e/ou normativo que apoiasse a redação de um regulamento organizacional interno que tivesse em consideração uma nova definição dos serviços de saúde pública, esta definição acabou por ocorrer individualmente em cada ULS. Apesar da flexibilidade local ser uma vantagem reconhecida quando estão em causa modelos organizacionais complexos, o resultado atual parece demonstrar que não foram concretizadas as mudanças esperadas na implementação de uma estrutura dos serviços de saúde pública com uma cobertura substantiva a nível nacional.


Esta perceção ganha ainda mais força quando se tem em conta a proposta conjunta da Ordem dos Médicos (OM) e da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP) de um Regulamento Interno para Integração da Saúde Pública nas ULS. Esta proposta delineia a constituição de um Departamento de Saúde Pública e das Populações (DSPP) com a missão de “promover a saúde, prevenir a doença e prolongar a vida saudável da população, reduzir as iniquidades em saúde, e proteger a saúde, atuando na preparação e resposta a emergências de saúde pública, em articulação com a saúde alimentar, ambiental e animal”. Adicionalmente, de forma a atingir estes desígnios, prevê que um conjunto de funções e recursos estivessem também à disposição do DSPP. Assim, volvidos 8 meses desde a implementação da reforma, é feita uma análise qualitativa sobre o estado dos serviços de saúde pública no contexto de ULS, com base em quatro perspetivas.


Em primeiro lugar, a promoção da saúde e prevenção da doença permanece uma ambição retórica sem a materialização de investimento, conhecimento, e recursos para a concretização de ciclos de planeamento estratégicos e operacionais. O papel da governação do DSSP, que no seio de um modelo integrado como a ULS está ainda por atingir o seu potencial. A par da descentralização de competências na área da saúde para as autarquias locais, tirando alguns bons exemplos, carece ainda da capacidade de escalar a integração e sinergia entre o papel da saúde pública dentro da ULS e na comunidade, enquanto pivô no apoio à alocação dos recursos e das atividades de acordo com as prioridades em saúde locais.


Em segundo lugar, no âmbito da proteção da saúde e na resposta a emergências em saúde, apesar de ser o vetor onde há melhorias na articulação vertical e na capacidade de vigilância epidemiológica e definição e implementação de medidas, ainda se observam défices estruturais e operacionais que, em período pós-pandemia, deveriam ter sido alvo de investimento e melhoria. Por um lado, as articulações com a saúde alimentar, ambiental e animal continuam a ser unidirecionais ou baseadas em projetos pontuais, que não resistem à abordagem de silos que impede uma maior sustentabilidade. Por outro lado, as tecnologias de apoio à função de vigilância e investigação epidemiológica não estão disponíveis, sendo que perante uma ameaça de saúde pública, tendem a emergir. É pertinente não esquecer que os riscos e desafios não parecem estar a diminuir, desde as resistências aos antimicrobianos, os movimentos antivacinais e o potencial de disseminação internacional de doenças emergentes e reemergentes.


Em terceiro lugar, há um papel de apoio à decisão esperado de um DSPP e dos seus profissionais de saúde, em particular os médicos de saúde pública (incluindo através da função de autoridade de saúde quando necessário) que se encontra por explorar. O objetivo do apoio direto ao Conselho de Administração de uma ULS, com informação e evidência para processos de decisão deveria ser algo já institucionalizado. O facto de se observar um papel tão preponderante dos médicos de saúde pública nas equipas dedicadas ao instrumento de ajustamento pelo risco mostra como é relevante um pensamento epidemiológico para uma gestão eficiente e efetiva, com ganhos para a população, sociedade e para todo o sistema.


Em quarto lugar, destaca-se a necessidade de melhorar as relações laborais e contratuais dos profissionais de saúde pública e, em particular, dos médicos de saúde pública, que pelas suas funções e exercícios específicos devem, também, ser alvo de enquadramentos diferenciados dos restantes médicos com atividade clínica. O reconhecimento das atividades e serviços de saúde pública em termos gestionários e governativos, como mencionado nos pontos anteriores, dependerá também da definição dos recursos humanos em saúde pública.


Em conclusão, perante a atual reforma organizativa do SNS, torna-se relevante continuar a defender um melhor posicionamento do papel da saúde pública no seio destas instituições que também se encontram em contínua mudança. Para tal, deve ser promovido o investimento necessário, as oportunidades que existem no seio de equipas altamente qualificadas e preparadas, e na adaptação às novas tecnologias que podem ser colocadas à disposição de forma a tornar as funções exercidas mais efetivas. O balanço ainda não é tão positivo como esperado, mas o caminho também ainda foi curto. Importa agora mudar o rumo para garantir que a missão da saúde pública é cumprida.

 

 






João Paulo Magalhães

Vogal da Direção da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública

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