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Do Plano à Ação: Os desafios do novo roteiro para o controlo da Obesidade em Portugal

Celebrou-se no passado dia 4 de março o Dia Mundial da Obesidade. Apesar da obesidade ser reconhecida como doença há mais de 20 anos em Portugal, e dos avanços no seu tratamento, sobretudo nas opções farmacológicas e cirúrgicas, não temos sido capazes, enquanto sociedade, de reverter o aumento da sua prevalência.


Os dados com representatividade nacional sobre obesidade em adultos portugueses, embora desatualizados, são preocupantes. De acordo com o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF) de 2015/2016, a prevalência de obesidade nos adultos (18-64 anos) foi de 21,6% (IC 95% 19,5 - 23,8) e de pré-obesidade foi de 36,5% (IC 95% 34,2 - 38,8), com estimativas mais elevadas nos grupos etários mais velhos (1). No Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (INSEF) de 2015 (2), observou-se que cerca de um em cada quatro adultos entre os 25 e os 74 anos vivia com obesidade (28,6%; IC 95% 26,7 - 30,6), e dois em cada três adultos apresentava excesso de peso (pré-obesidade ou obesidade, 39,1%; IC 95% 37,0 - 41,2). Dados mais recentes da Iniciativa Europeia de Vigilância da Obesidade Infantil (COSI) da Organização Mundial da Saúde (OMS) estão disponíveis para crianças dos 7 aos 9 anos. No COSI 2022 (3) observou-se uma prevalência de 13,5% de obesidade e de 31,9% de excesso de peso (incluindo obesidade), interrompendo a tendência decrescente observada entre 2008 e 2019. Estes números refletem uma realidade global. Segundo o Global Burden of Disease 2021, a prevalência da obesidade continua a crescer em todo o mundo, com projeções preocupantes. Segundo as projeções até 2050, espera-se que os aumentos na obesidade em idade pediátrica continuem para todas as populações em todas as regiões do mundo, com mudanças significativas entre 2022 e 2030 (4). Na população adulta, estima-se que o número total de adultos com pré-obesidade ou obesidade atinja 3,80 mil milhões em 2050, representado mais de metade da população adulta global nessa altura (5).


Perante este cenário, a publicação do “Roteiro de Ação para Acelerar a Prevenção e Controlo da Obesidade em Portugal” (6) pela Direção-Geral da Saúde, no passado Dia Mundial da Obesidade, surge como resposta urgente. Este documento está alinhado com o plano internacional de aceleração para travar a obesidade da OMS - WHO acceleration plan to stop obesity (7), e consolida um trabalho iniciado há mais de uma década, visível nos Planos Nacionais de Saúde e no Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS). No âmbito do PNPAS foram desenvolvidas medidas como a taxação de bebidas açucaradas, a redução do sal no pão, as restrições à publicidade alimentar dirigida a crianças, a regulação da oferta alimentar em escolas e hospitais, e campanhas de sensibilização. O PNPAS 2022-2030 propõe uma abordagem sistémica para a nutrição e prevenção da obesidade, focando-se na redução das desigualdades sociais na saúde, ao longo do ciclo de vida, e estabelece a meta de reduzir o excesso de peso e obesidade infantil em pelo menos 5% até 2030 (8). A publicação do Despacho n.º 12634/2023 (9) marcou outro avanço, propondo a implementação de um Modelo Integrado de Cuidados para a Prevenção e Tratamento da Obesidade. Este despacho, prevê, entre outras medidas, a criação da consulta especializada e multidisciplinar de obesidade nos cuidados de saúde primários.



Estas medidas refletem uma evolução de abordagens individuais para estratégias sistémicas, combinando políticas públicas, regulamentação e colaboração intersectorial. O roteiro agora publicado parece dar continuidade às medidas anteriores e avança com uma visão integrada, com o reconhecimento da necessidade da melhoria de respostas para o tratamento e gestão da obesidade, com acesso a cuidados de saúde de qualidade para pessoas que vivem com obesidade, em paralelo com as medidas preventivas. O roteiro inclui 10 ações para prevenir e controlar a obesidade, a implementar nos próximos três anos (6). As 10 ações parecem agrupar-se em três grandes grupos: 1) reorganização dos cuidados de saúde, incluindo a atuação no tratamento e prevenção da obesidade, com a criação de um Programa Nacional de Prevenção e Gestão da Obesidade e de um  Percurso de Cuidados Integrados para a Pessoa com Obesidade, com Centros de Responsabilidade para tratamento não cirúrgico, reforçando a prevenção nos Cuidados Primários e nos primeiros 1000 dias de vida; 2) promoção de ambientes saudáveis, através da implementação de critérios para compras públicas alimentares, orientações para creches e escolas (do pré-escolar ao ensino superior), e capacitação de municípios através de contratos-programa com a Saúde; e 3) educação e cooperação, através do desenvolvimento de iniciativas de educação, literacia e mobilização social, e manutenção de parcerias internacionais (OMS e Brasil) para combater a obesidade.

 

A publicação deste Roteiro confirma a obesidade como prioridade de saúde pública em Portugal, propondo uma abordagem multinível que integra prevenção e tratamento, com uma visão centrada na pessoa – um avanço conceptual importante. No entanto, o sucesso dependerá da sua operacionalização: como e quando serão implementadas as 10 ações? Que recursos estarão envolvidos? Enquanto o Roteiro representa um passo importante no combate à obesidade, o seu verdadeiro teste será a capacidade de transformar esta ambição estratégica em ações concretas, que efetivamente se traduzam em resultados tangíveis para a população, com melhoria da sua saúde e qualidade de vida.






Joana Araújo

Nutricionista

Mestre e Doutorada em Saúde Pública

Investigadora Doutorada do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto


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1749-084 Lisboa

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