O Global Report Tuberculosis 2021, publicado em outubro 2021, pela Organização Mundial da Saude, reforça o impacto que a pandemia por SARS CoV2 teve na taxa de notificação da tuberculose.
Em Portugal, conforme publicado no Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal - Dados definitivos 2020, verifica-se uma redução progressiva da incidência da doença. Em 2020, foram notificados, 1465 casos da doença, o que corresponde a uma taxa de notificação de 14.2 por 100 mil habitantes. Contudo, de acordo com o Tuberculosis surveillance and monitoring in Europe 2022–2020 data, Portugal mantém-se como o país da Europa Ocidental com maior incidência da doença.
Não obstante a redução progressiva da incidência da doença, a mediana de dias até ao diagnóstico apresenta um aumento progressivo, atingindo em 2020, os 80 dias. Considerando o predomínio das formas pulmonares, nas quais cerca de metade são bacilíferos, factor associado à maior contagiosidade da doença, compreendemos facilmente a importância do diagnóstico e tratamento precoce, quer para o doente, quer para a comunidade. Ao analisar o número de dias até ao diagnóstico, verificamos que cerca de 2/3 deste atraso é atribuível ao doente, o que significa a necessidade de facilitar o acesso aos cuidados de saúde em tuberculose e de melhorar a percepção e valorização dos sintomas pelo doente.
Fonte: Programa Nacional para a Tuberculose da Direção-Geral da Saúde
Durante o ano de 2020, os Centros de Diagnóstico Pneumológico mantiveram-se em funcionamento, promovendo o diagnóstico e tratamento dos doentes com suspeita de tuberculose, o acompanhamento dos doentes em tratamento e a articulação com as Unidades de Saúde Pública e as instituições hospitalares. Manteve-se a gratuitidade do rastreio, diagnóstico e tratamento, a centralização dos doentes complexos em consultas especializadas e a articulação com as estruturas comunitárias e sociais.
Em 2020 verificou-se uma redução da procura dos cuidados de saúde em tuberculose, atribuído ao receio da população em contexto de pandemia e aos menores níveis de literacia e sensibilização para os sintomas sugestivos de tuberculose, em muito semelhantes aos sintomas da COVID-19. Em contraste, o contexto pandémico potencializou a utilização das ferramentas digitais na vigilância clínica e na promoção da adesão ao tratamento através de video-chamadas. A facilitação do atendimento remoto não substituiu, porém, as consultas presenciais nos casos com suspeita de tuberculose, assim como os rastreios efetuados perante situações de exposição ou presença de factores de risco de tuberculose.
O que foi feito… em Portugal e no mundo
Os objetivos da OMS e da End TB Strategy, em que se pretende atingir até 2035 uma redução em 95% do número de mortes por TB e 90% a taxa de incidência de tuberculose, são claros e ambiciosos, obrigando à revisão, monitorização e ajuste de cada uma das estratégias implementadas.
Uma das estratégias mais eficazes no controlo da contagiosidade da doença e no aumento do sucesso terapêutico foi a Toma Observada Directamente nos doentes com tuberculose ativa, implementada em 1994. Posteriormente, em 2006, a Stop TB Strategy, salientou a importância em excluir tuberculose nas pessoas que vivem com VIH, tendo em conta o risco de formas graves ou resistentes. Em 2015, a End TB Strategy reforçou a necessidade de estabelecer parcerias com a sociedade civil e com a comunidade. Por forma a substanciar a importância em alcançar os objetivos da End TB Strategy, a estratégia conjunta da Stop TB Partnership e do Global Found, salienta a aposta no acesso universal ao rastreio e ao tratamento.
Portugal tem diversas estratégias implementadas que em muito contribuem para a redução sustentada da curva, nomeadamente, o acesso ao tratamento uniforme e eficaz, o uso dos testes moleculares de resistências e as estratégias facilitadoras da toma da medicação. O rastreio sistemático de doença nas pessoas mais suscetíveis, tal como o protocolo estabelecido com o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, e o protocolo de rastreio de tuberculose nos estabelecimentos prisionais, estabelecido com a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, são exemplos de estratégias dirigidas às pessoas mais vulneráveis, sustentadas em boas práticas e na evidência.
O trabalho desenvolvido com organizações de base comunitária na promoção da literacia, no incentivo e facilitação da toma da medicação, na sensibilização para a importância do rastreio, especialmente quando expostos a um novo caso e quando existe necessidade de administração de tratamento preventivo, favorece a redução de futuros novos casos, contribuindo para a concretização dos objetivos até 2035.
Uma visão para 2030
O novo plano estratégico para 2023-2030 da Stop TB Partnership, que está atualmente em elaboração, reforça a importância de incluir a tuberculose nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Os cuidados integrados, centrados no doente, as políticas de suporte e o incentivo à investigação, a abordagem multisectorial, envolvendo os diferentes níveis de cuidados de saúde e a ligação aos vários parceiros, cuidando dos que são mais suscetíveis e garantindo o acesso de todas as pessoas, constituem os grandes pilares para o controlo e eliminação da doença.
Em 2021, no sentido de redefinir estratégias com vista ao controlo e eliminação da Tuberculose, Portugal apresentou a sua candidatura ao projeto “Country support for TB elimination in Europe (ECDC/2019/030)” promovido pelo European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC).
Na análise das estratégias já implementadas em Portugal e publicadas no Roadmap for delivery of integrated tuberculosis services for vulnerable populations in Portugal, identificam-se alguns desafios: 1) as estratégias em Portugal estiveram até agora, maioritariamente direcionadas para a identificação dos casos de tuberculose ativa, sendo necessária a aposta nas estratégias de rastreio dos mais suscetíveis e no tratamento preventivo, 2) os cuidados de saúde em tuberculose existem de forma gratuita para todos, contudo, devem ser acessíveis e do conhecimento da população, 3) os dados de vigilância epidemiológica devem ser analisados de forma sistemática a nível nacional e regional, 4) o financiamento é fundamental para a atuação dos diferentes parceiros na comunidade e 5) as estratégias devem ser centradas no doente, em articulação com a resposta comunitária.
Assim, para o controlo da tuberculose em Portugal é fundamental, oferecer cuidados de forma simultânea ao doente e à sua família, promovendo a adesão ao tratamento. O rastreio dos mais suscetíveis e o tratamento preventivo constituem as estratégias com mais impacto na redução de futuros novos casos.
Isabel Carvalho
Médica Pediatra no Centro Hospitalar Gaia Espinho
Diretora do Programa Nacional para a Tuberculose